Divórcios. Em 94% das situações a guarda da criança é dada às mães. Em caso de litígio, processos demoram em média dois anos e pais ficam por vezes impossibilitados de ver os filhos.

Três em cinco decisões dos tribunais, no que diz respeito à regulação do exercício das responsabilidades parentais, após a separação ou divórcio de casais, não são respeitadas, diz a Associação Portuguesa para a Igualdade Parental. A guarda das crianças em cerca de 94% dos casos é entregue às mães e, apesar da figura da guarda partilhada estar consignada na lei, na prática não há aplicabilidade. Apesar das mudanças na relação simbólica com os filhos, existe ainda o preconceito da parte do magistrados relativamente ao desempenho de papéis, fazendo crescer o desfazamento entre a realidade sociológica e institucional. Como resultado desta situação existe 60% de incumprimento da decisão dos tribunais.

Em média os processos levam dois anos a serem resolvidos e muitos pais ficam longos períodos sem ver os filhos, aumentando a conflitualidade entre ex-casais que utilizam as crianças como escudo. No Tribunal de Anadia está a ser julgado o desfecho dramático de um caso extremo de luta pela partilha de uma criança. O engenheiro Ferreira da Silva responde por, em fevereiro de 2011, ter abatido a tiro o ex-genro, o advogado Cláudio Rio Mendes, quando tinha a neta ao colo.

Cláudio Rio Mendes, advogado no Porto de 35 anos, lutava pela partilha da filha de quatro anos. Alegadamente, a ex-companheira, a juíza do Tribunal de Ílhavo, Ana Carriço, incumpria com o estabelecido pelo tribunal e os encontros entre pai e filha eram muitas vezes cancelados ou mãe e filha não apareciam. O encontro de fevereiro do ano passado, no parque da Mamarrosa, em Oliveira do Bairro, foi marcado por discussões. O pai da juíza, engenheiro agrónomo de 63 anos, estava com a neta ao colo e disparou seis tiros sobre Cláudio. O crime ficou registado em vídeo por uma testemunha. A vítima estava havia dois anos à espera de uma decisão do Tribunal.

“A verdade é que estas situações de incumprimento surgem porque os acórdãos são mal feitos e os advogados estão mal preparados. Os formulários sobre as necessidades das crianças e os relatórios sociais têm muitas vezes incorreções e não se adequam às necessidades”, explica Ricardo Simões, presidente da Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos, da qual Cláudio Rio Mendes era associado. A demora nas decisões pelos tribunais deve-se, segundo o mesmo responsável, “à falta de meios para a criação de equipas disciplinares e por isso recorrem à Segurança Social quando pretendem relatórios sociais”. Outro fator que provoca o arrastamento dos processo são as perícia médico-legais aos quais a Segurança Social também tem capacidade para dar resposta a apenas 30% das solicitações. As restantes são solicitadas a outras entidades, nomeadamente privados. Resultado, no final de 2011, existiamnos tribunais 15891 processos pendentes por incumprimento da regulação do exercício do poder paternal e por incumprimento do exercício das responsabilidades parentais.

Para a associação, os incumprimentos, especialmente na questão do “regime de visitas” ou contactos da criança com o progenitor não residente, não têm sido alvo de medidas de ação diretas e indiretas, passando para a comunidade a mensagem da impunidade. Tais incumprimentos constituem “sérios comportamentos de maus tratos sobre as crianças e jovens e de violência psicológica sobre o progenitor não residente”. “Ao mesmo tempo, cometemse muitos erros processuais porque existe uma cultura de conflito. Depois há ainda o preconceito dos magistrados relativamente ao desempenho de papéis, atribuindo a tutela da criança à mãe em mais de 90% dos casos. O mesmo acontece com a guarda partilhada. Muitos magistrados do Ministério Público consideram que não é uma boa solução para a criança ter duas casas”, acrescenta Ricardo Simões. Os últimos dados são de 2008: do total de processos só 3% resultaram em guarda partilhada.

Litígio impossibilita uma decisão tribunais A associação queixa-se da falta de sensibilidade dos tribunais para as mudanças na relação simbólica com os filhos. “Assistimos sempre a uma argumentação do passado. As crianças têm várias figuras de referência para além da mãe e mesmo existindo uma primeira figura não pode ficar sem as restantes.”

Até o argumento de que “são as mães que mais cuidam dos filhos nem sempre é válido até porque as crianças atualmente são criadas em grande maioria por educadores profissionais”, salienta Ricardo Simões. Os magistrados têm uma visão diferente e afirmam que não há preferência na entrega da guardas crianças e que a regulação feita pelos tribunais é rápida.

“Os inquéritos pedidos à Segurança Social nem sempre têm uma resposta pronta por dificuldade nos serviços em ter pessoal para tantos pedidos”, explica Judite Babo, magistrada do MP no Tribunal de Família e Menores de Gaia “Quanto à morosidade ela existe porque, em caso de litígio, ó tribunal fica impossibilitado para um decisão definitiva. Definem-se regimes provisórios mas há incumprimentos constantes, transformando os processos em volumes monstruosos”, acrescenta.

In Alfredo Teixeira | Diário de Notícias | Link da Noticia